quinta-feira, 9 de abril de 2009

Eu possuo-o porque lhe dou utilidade



- Eu, se possuo um lenço, posso colocá-lo em torno do pescoço e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colher a flor e levá-la comigo. Mas tu não podes colher as estrelas.
- Não. Mas eu posso colocá-las no banco.
- Que quer dizer isto?
- Isso quer dizer que eu escrevo num papelzinho o número das minhas estrelas. Depois tranco o papel à chave numa gaveta.
- Só isto?
- E basta...
É divertido, pensou o principezinho. É bastante poético. Mas não é muito sério.
O principezinho tinha, sobre as coisas sérias, ideias muito diversas das ideias das pessoas grandes.
- Eu, disse ele ainda, possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões que revolvo toda semana. Porque revolvo também o que está extinto. A gente nunca sabe. É útil para os meus vulcões, é útil para a minha flor que eu os possua. Mas tu não és útil às estrelas...
O Principezinho, Saint-Exupéry

Eu possuo porque é útil para as coisas que possuo que as possua. Se sou possuída por alguém é porque me é útil que seja possuída; Se possuo algo ou alguém é porque lhe é útil que a/o possua.
Como é que eu posso possuir algo se não lhe é útil que o possua? Se assim é, não o possuo. Não basta eu querer possuir.
Tudo o que adquiro ou vou adquirir vai precisar de cuidados, de manutenção, de utilização. Senão, deixa de ser meu, ou seja, ou passa a ser de outro alguém ou morre. Se for um ser não vivo morre temporariamente até que outro ser o possua como se fosse novo, tendo um renascer. Mas os seres vivos não têm renascer, não voltam a pertencer quando deixam de o fazer; são irremediáveis.
Quando acho um tesouro primeiro, ele não é meu, apesar de me ensinarem o contrário. O tesouro é de quem lhe é útil. É o tesouro que decide ser ou não eu o seu dono, eu não tenho escolha sobre a posse de nada. Se assim é, poderia inferir que é o tesouro que me possui e não eu que possuo o tesouro, certo? Não. A questão é, por um lado, quem controla/decide se é possuído e, por outro lado, quem é controlado e possui. Contudo, as estrelas não escolhem quem as possui, quem ou o quê que lhes é útil. Serão elas autónomas e independentes de tudo; não precisam de nada/ninguém e não pertencem a nada/ninguém? Não, senão não existiriam. Ou existirão elas apenas para possuírem? É possível existir só com uma das duas funções? Se assim for, eu sou possuída pelas estrelas e elas são-me úteis porque sim.
E quanto aos meus pensamentos e ideias, são eles possuidores, como as estrelas, ou possuídos por mim? Ou seja, possuem-me porque me são úteis ou possuo-os porque lhes sou útil? Ambas. Se não houvesse a primeira opção, eu não seria um ser humano; se não houvesse a segunda, não haveria evolução. Tudo depende de tudo, tudo está complexamente interligado, e tudo faz sentido, segundo as leis do universo.
Assim, a questão é “Eu possuo, porque dou utilidade ao objecto em minha posse” e não “Eu dou utilidade ao objecto, porque possuo”. Isto, porque eu, enquanto proprietária, não posso querer possuir sem pensar em dar manutenção, utilidade ao que possuo; sem pensar em amar o que possuo.

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