segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Alívio temporário


A desorganização interna pela qual a pessoa esteja a passar é compensada por uma necessidade de organização e controlo exteriores.
Obsessão-compulsão, Ana Rita Dias

Existe uma necessidade interna que se vai manifestar no exterior, no corpo. Ao satisfazer a necessidade externa estou ilusoriamente e temporariamente a satisfazer a necessidade interna.
O facto de a satisfação interna ser ilusória significa que esta não é efectivamente satisfeita através da resposta imediata do individuo, pois a forma como a procurou satisfazer corresponde à forma como a percebeu.
O que vai acontecer é que o facto do indivíduo encarar a necessidade original de forma indirecta, colocando-lhe a máscara da necessidade exterior, e sabendo, contudo, que existe a interior que provoca a secundária, exterior, pode ocultar sempre a necessidade original sem que esta nunca seja verdadeiramente satisfeita e fazendo com que esta provoque continuamente uma série de comportamentos compulsivos que não serão resolvidos nunca enquanto o sujeito não encarar a questão, a causa do seu mal-estar de forma directa e profunda.

E porquê a importância de encarar a necessidade original? Pelo facto de que ela irá sempre existir de forma abstracta até o sujeito conseguir uma resposta satisfória; irá sempre marcar a sua presença através das necessidades exteriores como um fantasma que desassossega a mente, que lhe cria estados de ansiedade.

O individuo procura resolver o problema da periferia para o cerne da questão. contudo, como vimos, esta forma acarreta uma insatisfação e um agravamento da situação, pois a solução deve albergar a nossa posição activa, forte, determinada, resolvendo o problema partindo da causa maior, sem a contornar, sem criar teias, mas recorrendo a nós mesmos, ao Eu.

No entanto, não basta possuir consciência activa sobre a nossa inquietação, é necessária dar acção física ao exercício mental, de modo a não criar a angustia daquele a quem faltou a vontade de colocar de forma pragmática a resolução e a procura do equilíbrio.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Deus é bom mas o diabo também não é mau

A natureza é a diferença entre a alma e Deus.
Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possiveis são m u i t o s.


Bernardo Soares

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

T o l o



Ponho a máscara de tolo, a mais conveniente que conheci, a que esconde o reboliço que aqui vai, que encobre o que se enrola e desenrola.
Procuro ser essa máscara também por dentro. Sei, aliás, a forma que me permite sê-la e que só em estados transitórios e descontínuos a cumpro: basta, quando estou às escondidas, seguir aquilo que o actor faz quando entra em cena. É tão fácil…


Estados de equilíbrio são partidas que a mente me prega, formas de brincar ao toca-e-foge que me fazem criar expectativas insustentáveis.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Entre nós há uma janela. Eu estou do lado de dentro


Não é este o conceito dos pessimistas, como aquele de Vigny, para quem a vida é uma cadeia, onde ele tecia palha para se distrair. Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico, e essa atitude é um exagero e um incómodo. Não temos, é certo, um conceito de valia que apliquemos à obra que produzimos. Produzimo-la, é certo, para nos distrair, porém não como o preso que tece a palha, para se distrair do Destino, senão da menina que borda almofadas, para se distrair, sem mais nada.
Pessoa



Amo o optimista, aprecio-lhe todos os passos que dá na vida, o que dela faz, aquilo que em si próprio cria. O optimista é o criador exemplar que deve ser contemplado por todos os que perdem tempo em pensar. Ele, mesmo conhecendo, mesmo vendo, sabe viver simplesmente.
O que resta ao pessimista senão a contemplação do destino de forma morosa? A única coisa que tem é o potencial para renegar a admiração pela acção, o facto de a querer viver. Mas também o próprio potencial tem moleza.
O contemplador é aquele que contempla tudo "na sua íntima substância". Em vigília, p e r d e - s e , esgota-se e volta a adormecer. Sobrevive, gozando insatisfatoriamente a passagem, até ao dia.
Amo o optimista. Não o quero interrogar nem procurar, quero vivê-lo. Quero amá-lo, mas amando-me primeiro.
Contento-me insatisfatoriamente em contemplá-lo.

Entre nós está uma janela e eu estou do lado de dentro.


Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, v a g o s cantos que componho enquanto espero.