sexta-feira, 26 de junho de 2009

Vida inha

O homem não pode ser só bom, não pode ser totalmente bom e simultaneamente desprovido de maldade. Não se dá, aqui, primazia ao facto de não conseguir, porque não tem sequer essa possibilidade. E isto acontece, porque não existe bem sem mal.
Eu só me auto-qualifico como possuidora de faculdades virtuosas se tiver consciência de que possuo paralelamente qualidades contrárias às que estarei a considerar, qualidades maldosas.
Segundo esta lógica, o herói é aquele que vence a tendência para o mal, nos escabrosos conflitos que se estabelecem, sendo esses dois pólos – o do bem e o do mal – forças que se afastam brutalmente uma da outra, e é por isso que a que é aparente é tão vincada e o indivíduo é visto como uma “personagem tipo”. Assim, quem está “de fora”, quem tem acesso apenas ao aparente dessa personagem, não consegue alcançar superficialmente o mal que lhe despoletou o potencial heróico.
É esse mal que provoca, que desperta, que acorda o lado mais sensível do homem, porque é o que se torna urgente, é isso que responde ao estímulo que se lhe dá. Esse sensível é o ser, e é, consequentemente, o que há de mais intenso, porque partiu-se do superficial – as forças menos intensas com que o homem responde aos estímulos também pouco intensos - para o mais profundo – a essência que urge em ser manifestada quando se lhe é pedida que responda.
O que acontece, então, se o homem vive toda a vida desprovido desse mesmo mal estimulante? Primeiro, o homem nunca está desprovido de mal, porque, primeiro é homem, imperfeito, crescendo partindo da tentativa ao erro, ao medo, enfim ao mal; e depois, sendo um ser pensante, o homem não pode ser um ser agnóstico e ao formar juízos de valor sobre tudo, formula imediatamente as noções de bem e mal que se tornam (implícitas?) nas suas escolhas, no seu livre arbítrio e em si mesmo. Agora, quão mau é não termos o mal suficientemente marcado na nossa vida de modo a permitir que o bem também o não esteja? Depende do que interpretemos por mal – o que é, que intensidade tem, de onde vem. Se encararmos que o mal está efectivamente pouco presente, então isso talvez signifique que a nossa vida não passa de uma inha. É uma vidinha, com uma certa intensidadezinha, onde predomina a ataraxia e a palavra-chave é o culto do ócio, ou seja, não a procura de soluções para o mal – onde se desenvolvem o amadurecimento emocional, intelectual, enfim, pessoal e humano – mas sim a procura de “passatempos” – e entenda-se aqui o mais desprezível e apático da palavra.

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