terça-feira, 7 de abril de 2009

Insónia

A insónia é o castigo dos cobardes.
Ser cobarde é ansiar o próximo adormecer.
Ser ousado é ansiar o próximo acordar.
Ser ninguém é não ansiar. (Não desejar é conhecer)
Viver dias e noites é o castigo de ninguém.
Os castigos do ousado prometem continuamente o seu bem-estar.

Estúpidos animais estúpidos


Os animais, felizes inconscientes
Que para morrer vivem,
São invejados pelos (im)pacientes,
Infelizes, que mortos sobrevivem.





Tu, que subestimas


Tu, que subestimas, fazes bem
Pensar coisa nenhuma de todas as coisas.
Nem eu sou capaz de o fazer
Nem tu pensas essas coisas.





Sejam rebeldes


Sejam rebeldes,
Pensamentos v ã o s, que
Para nada servem
Senão para serem prisioneiros de mim mesma.

terça-feira, 31 de março de 2009

Tenho Tudo


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Alvaro de campos

A Arte

Não procuro a essência verdadeira, mas a verdadeira essência das coisas.
Depois disso, procuro a verdade essencial, a permanente, a que não tem espaço nem tempo, a eterna, a que não é contada.
O real é o que existe de verdade, o que não é imaginário, ilusório, utópico, fantasioso, aparente, enganador.
Assim, a imaginação é um mero embuste, algo que não existe verdadeiramente enquanto matéria.
Pode, contudo, existir de facto quando a complexidade conceptual da mente, que lhe dá forma abstracta, é reproduzida e representada para o mundo real. A esse parto, a essas reproduções que descem ao mundo, damos o nome de Arte. No entanto, apesar da sua presença no mundo real, a Arte não existe realmente; pois apesar do espaço ser determinado, a sua presença não é figurada.
Isto acontece porque a Arte é uma forma de união entre a verdade abstracta e a verdade efectiva, permitindo ao mundo real receber o vago. Permite a reunião entre a verdadeira essência e a essência verdadeira.
O resultado dessa união é uma síntese criativa, um novo novo que é criado com a intenção de ser transmitido e, por isso, é novo e diferente do seu progenitor.

A dor lida não é igual à dor sentida nem à dor escrita. Em qual está a verdade?

Não existe arte nua.

A arte só existe se o homem existir,
Nunca é desprovida de juízos de valor.
A criação de Deus é o universo;
A do homem é o já criado e ainda não descoberto.

Na criação do homem.





"(...)sem adversidade o ser humano não poderia melhorar."

Nem precisaria, pois sem pecados o ser humano seria perfeito, logo não precisaria de se aperfeiçoar. Contudo, como ser Homem é ser pecador, imperfeito, inacabado, incompleto; ser Homem é ao mesmo tempo ser lutador, guerreiro contra si mesmo, contra o pecado, o mal que transporta consigo; procurando a sua origem, o bem, o que antecede o mal e o que sucede a esperança, o sucesso, o parto, o renascimento, o 5º Império. O sucesso é aquilo que vem depois da esperança, o que sucede, o que nasce (de novo).
Mas, se o homem luta contra o pecado, contra o mal e se a esperança só existe se o mal existe, então a esperança não deve acabar nunca para o sucesso não acabar nunca, apesar de nunca ter existido realmente enquanto “aquilo que sucede a esperança”.
Se assim é, então a luta, o conflito não tem fim. E este é o conhecimento, este é o nada, aquilo que não pode ser revelado, aquilo que não pode ser antecipado, aquilo que Prometeu ainda conseguiu que não escapasse quando fechou a caixa de Pandora e fechado ficou o mal que acaba com a esperança - a antecipação do conhecimento.
Então, uma vez que ao homem foi-lhe oferecido o fogo, o desejo de conhecimento, a força de lutar; o que faz ele se descobre o nada, se descobre que o conflito não acaba nunca?



O homem possui a capacidade de conhecer o luminoso partindo da sombra, e, assim, conhecendo o nada, tudo ele conhece.


domingo, 29 de março de 2009

A névoa

Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as cousas como verdadeiramente são - como são para os outros.
Sinto isso.

Fernando Pessoa, Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal

terça-feira, 24 de março de 2009

Retiro vs Ataraxia

Antigamente conversava-se mais, reflectia-se mais, havia tempo exclusivo para pensar.
Hoje fala-se mais, corre-se mais, temos mais velocidade, mais pressa, mais urgência de coisa nenhuma.
Amanhã teremos mais pernas e mais longas.

Mente = espírito = alma = ser

Se a mente não tem lugar no cérebro, então se nos fizessem um transplante de cérebro continuaríamos a ter a mesma mente, o mesmo ser?

segunda-feira, 23 de março de 2009

Paixão é o que sinto


Quando o coração pára, tudo pára. Dr Sousa Martins


Caleidoscópio

O meu mundo sou Eu
Só vejo o que quero e o que quero deixa-me os fluxos a circular em flecha.
Tenho um olho fechado e o outro vidrado no caleidoscópio onde colo imagens dos meus sonhos mais coloridos. Mas de tão inquietantes não cabem na lente, miúda, e fecho os olhos para ver melhor.
Mas brilham tanto que não deixam ver os contornos. Ainda.

Deixou-me muda e apaixonada

Existe viver sem loucura?

Existe: (sobre)viver.

domingo, 15 de março de 2009

O Quase

Só desejo o que não tenho.
Mas não desejo ter, apesar de não ter, porque tenho a ilusão que tenho. O que desejo é conhecer.
O desejo é-me tudo e o conhecimento nada.
Sonho com o que me é impossível.
Quero descobrir o caminho que não precisa de técnicas nem ferramentas para ser caminhado.

As baratas vão ficando


Só as baratas vão ficando. São muitas, sozinhas em grupos, escravas da carapaça umas das outras. Bonitas, mas sujas e baças.
Se olho para o fundo, procuram indiscretamente o que os meus olhos vêm, sem êxito.
Eu vou-me embora e elas ficam, baças, à procura de mais baratas.


sexta-feira, 6 de março de 2009

Espelho - 1

Estou só.
Sou só.
Afugento também o meu Eu.
Ele fica só, mas a verdade também.
E eu sinto-me bem.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Alívio temporário


A desorganização interna pela qual a pessoa esteja a passar é compensada por uma necessidade de organização e controlo exteriores.
Obsessão-compulsão, Ana Rita Dias

Existe uma necessidade interna que se vai manifestar no exterior, no corpo. Ao satisfazer a necessidade externa estou ilusoriamente e temporariamente a satisfazer a necessidade interna.
O facto de a satisfação interna ser ilusória significa que esta não é efectivamente satisfeita através da resposta imediata do individuo, pois a forma como a procurou satisfazer corresponde à forma como a percebeu.
O que vai acontecer é que o facto do indivíduo encarar a necessidade original de forma indirecta, colocando-lhe a máscara da necessidade exterior, e sabendo, contudo, que existe a interior que provoca a secundária, exterior, pode ocultar sempre a necessidade original sem que esta nunca seja verdadeiramente satisfeita e fazendo com que esta provoque continuamente uma série de comportamentos compulsivos que não serão resolvidos nunca enquanto o sujeito não encarar a questão, a causa do seu mal-estar de forma directa e profunda.

E porquê a importância de encarar a necessidade original? Pelo facto de que ela irá sempre existir de forma abstracta até o sujeito conseguir uma resposta satisfória; irá sempre marcar a sua presença através das necessidades exteriores como um fantasma que desassossega a mente, que lhe cria estados de ansiedade.

O individuo procura resolver o problema da periferia para o cerne da questão. contudo, como vimos, esta forma acarreta uma insatisfação e um agravamento da situação, pois a solução deve albergar a nossa posição activa, forte, determinada, resolvendo o problema partindo da causa maior, sem a contornar, sem criar teias, mas recorrendo a nós mesmos, ao Eu.

No entanto, não basta possuir consciência activa sobre a nossa inquietação, é necessária dar acção física ao exercício mental, de modo a não criar a angustia daquele a quem faltou a vontade de colocar de forma pragmática a resolução e a procura do equilíbrio.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Deus é bom mas o diabo também não é mau

A natureza é a diferença entre a alma e Deus.
Tudo quanto o homem expõe ou exprime é uma nota à margem de um texto apagado de todo. Mais ou menos, pelo sentido da nota, tiramos o sentido que havia de ser o do texto; mas fica sempre uma dúvida, e os sentidos possiveis são m u i t o s.


Bernardo Soares

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

T o l o



Ponho a máscara de tolo, a mais conveniente que conheci, a que esconde o reboliço que aqui vai, que encobre o que se enrola e desenrola.
Procuro ser essa máscara também por dentro. Sei, aliás, a forma que me permite sê-la e que só em estados transitórios e descontínuos a cumpro: basta, quando estou às escondidas, seguir aquilo que o actor faz quando entra em cena. É tão fácil…


Estados de equilíbrio são partidas que a mente me prega, formas de brincar ao toca-e-foge que me fazem criar expectativas insustentáveis.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Entre nós há uma janela. Eu estou do lado de dentro


Não é este o conceito dos pessimistas, como aquele de Vigny, para quem a vida é uma cadeia, onde ele tecia palha para se distrair. Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico, e essa atitude é um exagero e um incómodo. Não temos, é certo, um conceito de valia que apliquemos à obra que produzimos. Produzimo-la, é certo, para nos distrair, porém não como o preso que tece a palha, para se distrair do Destino, senão da menina que borda almofadas, para se distrair, sem mais nada.
Pessoa



Amo o optimista, aprecio-lhe todos os passos que dá na vida, o que dela faz, aquilo que em si próprio cria. O optimista é o criador exemplar que deve ser contemplado por todos os que perdem tempo em pensar. Ele, mesmo conhecendo, mesmo vendo, sabe viver simplesmente.
O que resta ao pessimista senão a contemplação do destino de forma morosa? A única coisa que tem é o potencial para renegar a admiração pela acção, o facto de a querer viver. Mas também o próprio potencial tem moleza.
O contemplador é aquele que contempla tudo "na sua íntima substância". Em vigília, p e r d e - s e , esgota-se e volta a adormecer. Sobrevive, gozando insatisfatoriamente a passagem, até ao dia.
Amo o optimista. Não o quero interrogar nem procurar, quero vivê-lo. Quero amá-lo, mas amando-me primeiro.
Contento-me insatisfatoriamente em contemplá-lo.

Entre nós está uma janela e eu estou do lado de dentro.


Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, v a g o s cantos que componho enquanto espero.